Sunday, November 29, 2009

O consultório do Freud mal-assombrado


Esta história já tem alguns anos. Somente agora é que senti apropriado narrá-la aqui.
Saí do elevador e tomei um susto. Bem de frente, sem a menor chance de fuga, uma sala com uma porta de vidro e, detrás dela, um quadro grande com uma foto conhecida de Freud a boiar na escuridão. Aquele era somente um prédio comercial, mas aquela sala parecia a entrada para um museu ou coisa similar. Era uma sala de espera, toda escura, muito escura e somente o grande pai Freud emitia luz. A única luz da sala era para iluminar aquele quadro. O resto ficava em segundo plano.
Em algumas pessoas aquilo talvez desse arrepios, pois ressoava também um pouco fúnebre.
Lembrava um pouco uma sala do Memorial Juscelino Kubitschek, em Brasília, em que jazem os restos mortais do ex-presidente. Trata-se de uma sala bem grande, toda encarpetada, fechada e bem escura. Ali parece que tudo é roxo escuro, ou preto, ou um vermelho sendo iluminado por uma luz negra. Enfim, o cenário cheira um pouco a terror. Sombrio, lúgubre e com os restos mortais do ex-presidente ali, jazendo na escuridão.
Não teve jeito: quando pela primeira vez estive nesta sala do Memorial, logo me imaginei passando a noite ali, sozinho, e tentando dormir. Que lugar diferente para passar uma noite, para tentar relaxar. Escuro e iluminado. Iluminação parecida com aquelas produzidas por luzes negras. Sensação dupla de desproteção: estar iluminado e no escuro ao mesmo tempo. Confusão dos sentidos.
Mas aí tentar reproduzir isso, com Sigmund Freud, em uma pequena sala de espera, já não é demais? Isso me despertou uma série de divagações. E pude ainda, depois, conferir que aquele quadro ficava ali, eternamente iluminado, e com a porta de vidro, sempre transparente, a exibi-lo. Era no mesmo prédio em que eu mesmo tinha meu consultório. Estive lá, em um final de semana, e pude comprovar: o freudão ficava lá, todo iluminado, 24 horas por dia, durante todos os dias do ano. Inacreditável: era uma luz eterna a iluminá-lo, um fogo de Zoroastro a nunca ser apagado. Reverência eterna, divina? Louvor? Os olhos de Freud estão em todo o lugar? Mas ele não vê nada, pois somente ele se ilumina. O resto jaz no escuro: o velho drama de Narciso, do narcisismo da própria Psicanálise, sua ameaça constante de ruína: a de às vezes se esquecer de que existem várias e boas possibilidades de tratamento psicoterápico nessa vida, e não somente a sua como via única de acesso ao inconsciente ou à saúde.
A grande impressão ali, naquela sala, era a de que o Freud do quadro não nos via. No início aquilo me simbolizava a grande dificuldade em que muitos psicanalistas, dogmáticos e fanáticos em seu ofício, tinham em lidar com a alteridade, a diferença. Como o Freud do quadro, de tão iluminado, “não era capaz” de ver o outro, ele nos detinha, nos controlava e nos punia com a gravidade de seu semblante e postura incólume, reforçados pelo tamanho do quadro e pela periferia do resto do pequeno mundo escuro à sua volta. Pois, não era ele mesmo, Freud, o qual dizia que toda vigilância já é uma forma de punição?
Não era difícil, também, ficar observando aquele quadro e imaginar uns olhinhos por detrás dele a espiar a sala, como naquele velho clichê de cinema, em que quadros com pessoas servem para vigiar, saber mais do que se deve, controlar, e fraudulentamente assombrar.
Minhas reações a este cenário foram variadas e ambivalentes. Um lado meu gostou e deu risadas e o outro também deu risadas, porém ficou questionando esse louvor pela figura de Freud. Perguntei-me o que muitos psicanalistas sentem em relação a esse grande pai, Freud. Ele os protege e os vigia? Pune? É onisciente? O que Freud falou está falado? Como amam Freud? E esse amor produz o quê, que espécie de felicidade? Freud se ilumina e apaga o resto? Como é que é isso? Que filhos os psicanalistas, os quais assim se intitulam (e se afiliam, se tornam “filhos”), desejam ser para este pai? Obedientes? Prediletos? Protegidos? Rebeldes? Completamente identificados, cegos, e incapazes de qualquer confronto com o pai primevo?
Logo me lembrei de um cartum do Quino em que o sujeito, já adulto, caminhava ao lado da mãe, portando um camiseta com o retrato dela estampado. Como diz a própria Psicanálise: reduzido à mãe, ainda preso na relação simbiótica, infantilizado, não castrado? Alguém que ainda não cresceu e pôde construir seu próprio caminho? A liberdade não conquistada? Ou a gratidão? O reconhecimento do outro na constituição do que somos? O respeito pela memória? O amor assumido? E afetado, exibido? Ou sem medo de mostrar que ama e a quem ama?
O que era aquela sala pra mim? Por que havia me mobilizado tanto? Fiquei durante dias obcecado pela sala do Freud mal-assombrado. Aquilo parecia uma assombração. O desejo daquele psicanalista era assombrar quem quer que saísse daquele elevador? Causar espanto e, em alguns, até horror? Por que não? E não era isso o que Freud muitas vezes produzia em seus contemporâneos, e até os dias atuais ainda produz em muitos de nós: espanto, horror? Também não me esqueço de certa passagem em que Wittgenstein fala das extravagâncias teóricas de Freud. Mas me esqueço em que livro de Wittgenstein eu li isso. Lembro, porém, que ele acaba sugerindo uma coisa: Freud era um sujeito afeito a malabarismos teóricos.
E, sem dúvida, Karl Popper também não hesitou em conceber desta maneira: papai Freud adotava malabarismos teóricos para fazer valer seus postulados. O malabarismo teórico talvez tivesse sua relevância, segundo o próprio Popper, na fase da descoberta científica, na fase de preparação de hipóteses, as quais demandam até bastante criatividade. A coisa porém muda de figura quando passamos à testagem das teorias. E é aí que Freud, segundo ele, apelaria bastante para argumentos ad hoc. Ou seja, argumentos que, apesar de entrar em franca contradição com a teoria proposta, falseando-a, eram adotados por Freud como uma espécie de exceção ou argumentos que explicavam aquele caso em particular.
Isto, em grosso modo, é o resumão da crítica de Popper à Psicanálise. O pensamento freudiano seria amarrado de um modo a coibir a possibilidade de refutação ou falsificação. É impermeável à testagem. O que seria, segundo esta concepção, anticientífico. Pois é, Freud explica? Explica sim. Mas muitas vezes explica demais da conta. O que faz alguns dizerem que a Psicanálise seria boa demais para ser ciência.
Os malabarismos teóricos de Freud teriam, em muitos casos, por sua vez, o pendor à extravagância. Toda a circunvolução argumentativa para se falar do complexo de castração, por exemplo, pode dar muito bem a dimensão disso. Não há dúvidas, o legado de Freud para a cultura ocidental é relevante e em boa medida proveitoso. Mas como lidar com isso? De modo crítico ou somente fazendo parte do coro que reproduz todo e qualquer enunciado emitido por ele? Sempre tive estas questões comigo e não sei se vale a pena fazer parte da massa fanática de psicanalistas que tem como mote de vida a defesa da Psicanálise com unhas e dentes, em função mais da sobrevivência da instituição psicanalítica e seus dogmas, do que a busca saudável da verdade.
Sim, eu estava horrorizado. A visão daquela sala tinha feito todo o real lacaniano despencar sobre minha cabeça. O simbólico despertado em mim pelo Freud mal-assombrado não cessava de acontecer e dominar meu mundo dividido entre amar e odiar a Psicanálise. E o impossível de tudo aquilo que não sou capaz de dizer aqui não cessava de não se escrever em minha cabeça. Talvez fosse meu próprio sentimento de amor e meu horror por idolatrias e tietagens a afetar um amor que não precisa ser obsceno ou exibicionista. Guardasse o Freud dentro do seu consultório, meu caro. Já não basta introjetá-lo fanaticamente? É preciso erigir mais um totem?
Havia em mim, também, o sentimento de que Freud conseguia traduzir realisticamente a crueza da existência com tanta sofisticação e, ao mesmo tempo, com todo o auto-engano que ele mesmo denunciava. O triste sentimento de que pessoas muito inteligentes e lúcidas eram também capazes de cometer atrocidades, e que a autodestruição, o auto-engano e o paradoxo se avizinham mesmo nos terrenos mais férteis da racionalidade. Sentimento este, o qual também não deixa de ser tipicamente psicanalítico.
Eu insisti em rir disso tudo, durante dias. Fiquei doente, enlouquecido com aquilo. Contei a história a várias pessoas. Mas várias pessoas mesmo. Algumas riam e fabulavam junto comigo:
“Nossa, mas que cara absurdo esse psicanalista...”; “Que sujeito ridículo”; “Esse cara não tem noção”; “É um panaca, um imbecil. Eu jamais faria análise com ele”; “Ridículo, cômico, grotesco. Ele pensa o quê? Pensa que vai intimidar seus pacientes com esta sala escura em que o freudão reina absolutamente pintão a oprimir o resto do universo cintilante e não cintilante?”; “O que esse cara pretende? Castrar seus pacientes antes mesmo que eles adentrem a sala? A sala de espera dele é a salinha da castração? Operação de fimose simbólica? Hospitalzinho do além (pois que mal-assombrado) ou do simbólico, que seja; cujo procedimento cirúrgico preliminar é esta assombração castradora e opressora?”; “Então é isso mesmo? Freud castra, castra demais, todos os seus discípulos (apóstolos?) e pacientes? Freud representa antes de tudo uma figura paterna onipotente e opressora? Esse cara baba muito o ovo de Freud. Psicanalista baba-ovo é um porre. Os apóstolos de
Freud... Haja paciência”.
Outras, porém, percebendo meu exagero, minha desmedida em implicar ou debochar do suposto psicanalista, atacavam. Foi o caso de uma grande amiga, também psicóloga, a qual não perdoou:
“Nossa, Adriano, como você é doente, invejoso. Você está é morrendo de inveja. No fundo, você gostou do que o cara fez, da coragem que ele teve, e queria ter um consultório tão impactante quanto o dele. Aquilo te impressionou demais. Você ficou tocado, cara. Tá morrendo de vontade de ir lá e fazer análise com esse doidão aí.”.
A sala do Freud mal-assombrado na parede tinha, contudo, sua beleza. Uma beleza estranha e meio cômica. Era, apesar de exagerada, provocativa. Tal como um filme de Zé do Caixão? Tal como qualquer coisa que em um primeiro momento pode parecer ridículo, torto, tolo e desproporcional, mas o qual, depois, não tiramos da cabeça? Pelo menos em mim aquele absurdo estava produzindo algum efeito. E a fala de minha amiga, a dizer que eu desejava entrar naquela sala e conhecer o doido do psicanalista que armara aquele cenário, não devia ser desprezada.
O que fiz então? Um dia, saindo de meu consultório, resolvi dar uma passadinha por lá. A porta não estava trancada. Ou seja, o homem estava em casa. O clima, de fato, era taciturno. Aquilo era um memorial mesmo, um templo obscuro, um recanto insólito e apartado do mundo a buzinar lá fora. A música ambiente era clássica, temperatura e cheiro agradáveis, além de uma pequena fonte d’água, elétrica. Música clássica, no volume certo, e um ambiente sinistramente acolhedor. Onde eu estava me metendo? Ok, vamos esperar o doidão sair de sua sala...
Passaram-se uns dez minutos e a porta se abriu. Era ele e uma senhora, sua paciente. Abraçaram-se, com um carinho cordial e cúmplice. E ela se foi. Tratava-se de um senhor, de idade, vestindo um chapéu tipo boina, e suspensórios. Tinha um sorriso bastante singelo e simpático:
“Bom dia.”
“Bom dia” – repliquei bem rápido, sem conseguir falar direito, pois tive alguma vontade de rir, mas sem todo aquele impulso que eu havia antes imaginado. A imagem daquele velhinho com ares de bonachão simplesmente me desarmou. Seu sorriso era sereno. Havia tranqüilidade em toda a sua postura e expressão.
“Pois não?”
“Serei sincero com você. Um dia passei por aqui e vi esse quadro de Freud, no meio do escuro, e tive vontade de sentar e esperar que a porta se abrisse. Desculpe-me se pareço invasivo...”
A conversa se estendeu, bastante. Meu castelo recalcitrante de rejeição a quem eu simplesmente não conhecia desmoronou. Fiquei em análise com ele por um bom tempo, até seu falecimento. Devo muito ao homem que eu antes havia fabulado como o bizarro guardião do consultório do Freud mal-assombrado.
( Narrativa Fictícia)

Wednesday, October 14, 2009

“É psicológico”?

A causalidade e seus dilemas. A expressão “é psicológico”, “é emocional” ou “é psicossomático” está na boca do povo. Médicos costumam utilizá-la com frequência. É fato comum: você vai ao médico e ele pede uma série de exames. Não conseguindo encontrar evidências fisiológicas ou orgânicas relacionadas aos males que você apresenta, não hesita, solta logo seu veredicto sagrado: “seu problema é de origem psicológica”.
Alguns encaminham o paciente para um psiquiatra. Outros recomendam psicoterapia. E esses pacientes aparecem em nossos consultórios. E, não muito raro, têm expectativas médicas e até mecânicas em relação à solução de seus problemas. Geralmente esperam que a solução virá de um conserto aqui e outro ali, ou de um medicamento que logo apagará tudo o que lhe tem feito padecer. Pode-se dizer que, nesses casos, muitas vezes o médico passa a batata quente para as mãos do psicólogo. Pois o paciente chega até nós bastante ansioso em relação à solução imediata de problemas que nem mesmo se tem certeza sobre sua possível causalidade.
Dizer ao paciente que é psicológico possui talvez alguns sentidos que seria interessante tratar aqui. O que um médico está fazendo quando enuncia isso a seu paciente? Está de fato apontando a causa dos problemas desse paciente e lhe indicando o melhor caminho ou tratamento a ser seguido?
Na minha concepção não está apontando causa nenhuma. O enunciado “é psicológico” é muito vago para poder ser considerado científico. Se tivéssemos que tornar esta comunicação mais precisa, seria mais interessante comunicar ao paciente que ele deveria procurar profissionais de outras áreas, psiquiatras e psicólogos, por exemplo, para continuar a investigação das possíveis causas de seu problema de saúde.
Não deixo de me lembrar de algumas considerações acerca desse tipo de interações com médicos. Em um determinado episódio da série de televisão “House, M.D.”, o protagonista diz mais ou menos assim: “Quando um médico diz que seu problema é psicológico é porque ele é burro e não descobriu as causas”. Apesar de ofensiva, esta fala chama a atenção para um fato: o que muitos médicos estão fazendo quando emitem esse enunciado tão genérico a seus pacientes? Estão, muitos deles, tentando esconder de seu paciente sua incapacidade ou limites para saber o que está acontecendo? Não são capazes de dizer: “sinto muito, mas não sei o que você tem”? Por que tudo, no meio médico, tem de terminar com uma espécie de veredicto, com um diagnóstico categórico?
Outra passagem da qual me recordo é de Susan Sontag, em seu livro “A doença como metáfora”. Ela diz que se ouvir de seu médico que seu problema é psicológico, se isto ocorrer, peça seu dinheiro de volta.
E há como ter esta segurança toda, enunciando que o problema é “psicológico”? Tem como simplesmente transferir o problema para psicólogos e psiquiatras? Penso que não é tão simples assim. Alguns médicos, nessas situações, estão mais tentando se livrar do problema e de assumir seus limites do que trabalhando para de fato tentar descobrir o que está acontecendo. Assumir seus limites e deixar claro que estão compartilhando a investigação com outros profissionais talvez seja uma devolutiva mais profissional.
Neste mesmo livro, Sontag deixa claro os equívocos históricos que já ocorreram em função dessa atribuição espúria de causalidade. Os exemplos mais notórios são a tuberculose e as úlceras estomacais, sendo que o segundo exemplo é bem recente – só para não nos esquecermos desse tipo de equívoco. No caso da tuberculose, antes da descoberta de sua verdadeira causa, a bacterial, eram atribuídas a ela, também, causas psicológicas. No caso das úlceras estomacais, é bem mais fácil de se compreender o cenário, pois o papel etiológico significativo de um agente microbiano (a Helicobacter pylori) rendeu até mesmo um Prêmio Nobel de Medicina em 2005.
Ou seja, há evidências, na história, da repetição do misticismo de que esta ou aquela doença é “psicológica”. É muito mais fácil atribuir uma causalidade vaga do que investigar de fato o que pode estar acontecendo, com abertura para todas as possibilidades factíveis.
Não estou também, por outro lado, querendo apagar os componentes comportamentais ou interacionais de nossa saúde. Se há a possibilidade desses componentes estarem exercendo sua influência de modo mais determinante, eles devem ser investigados com mais precisão. Há um argumento de Skinner que talvez ajude a compreender essa questão da causalidade. Em seu livro “Ciência e comportamento humano”, mais especificamente no capítulo 3, ele defende que toda causa é sempre externa e que a atribuição de causas internas a nossos comportamentos não teria qualquer função explicativa.
Se um sujeito, por exemplo, está bebendo água com uma frequência alta e perguntarmos o por quê desse comportamento, geralmente teremos a seguinte resposta: bebe água porque está com sede. E assim acabamos ficando reféns de uma explicação circular: bebe água porque tem sede, logo tem sede porque bebe água. E isso não nos leva a lugar algum, a qualquer possibilidade concreta ou precisa de resolução do problema. Se, por outro lado, pensarmos em possíveis causas concretas, teremos algo mais palpável, mais razoável como hipóteses. O sujeito bebe muita água pois pode estar com uma dieta muito salgada; pode estar transpirando bastante, devido a altas temperaturas; pode estar com alguma disfunção orgânica, tal como diabetes, por exemplo. Enfim, essas são hipóteses mais precisas e menos vagas. E isto é investigar, de fato.
Quando alguém diz que é “psicológico”, podemos logo então perguntar: psicológico como, de que maneira? O que este sujeito faz para que assim o seja? Qual é precisamente sua participação? Que tipos de interações ou comportamentos, especificamente, podem ser determinantes?
E até que ponto dizer que é psicológico também pode piorar a situação, em vez de ajudar? Sim, pode haver casos em que a pessoa, ao ouvir um enunciado vago desses, venha a se sentir culpada por coisas que nem mesmo lhe dizem respeito. Para tornar isso mais claro, vamos a um exemplo bem prático. Uma conhecida minha padeceu durante meses de coceiras nas costas. Foi de médico em médico, fez diversos exames, e ouvia sempre o quê? “Isso é psicológico...”. Um belo dia, ela teve uma idéia muito simples: trocaria de marca de sabonete. Assim o fez e as coceiras desapareceram, por completo. E aí me pergunto: onde esses médicos vão colocar essa conversa banal e reducionista de que “é psicológico” depois de uma dessas?
E vamos supor que ela começasse a se sentir responsável por seus sintomas de um modo bastante difuso e comum: “ah, tenho coceiras nas costas, pois sou uma pessoa que carrega rancores, que não sabe perdoar, de ruindade mesmo...”. Enfim, com todo um desfile de superstições modernas, psicologizantes. Sim, pois todo o desespero em atribuir sentidos ou causas, gerando equívocos, é superstição.
É mais fácil nomear logo, encontrar uma pseudocausa para nossos problemas do que a investigação e ponderação razoável sobre o que de fato pode estar acontecendo. E assim também talvez não seja muito difícil desembocarmos em lugares comuns os quais afirmam uma série de outras besteiras atuais, tais como a força do pensamento positivo, por exemplo. Tudo pode, dessa maneira, terminar em algumas idéias pobres e comuns de que tudo depende de nossas crenças, do poder de nossa mente para mudar o que se encontra em nossa volta e por aí vai. Ou seja, se é psicológico, a responsabilidade é inteiramente sua. Logo, além de doente, você ainda terá motivos, obtusos, de sobra, para se sentir também culpado. Um fardo e uma ilusão a mais, e muita investigação a menos.

Thursday, September 03, 2009

O naturismo

Há alguns anos atrás tive algumas experiências com a prática do naturismo, as quais gostaria de relatar aqui, tecendo algumas reflexões a respeito.

Em 2002 conheci a Praia do Pinho, em Camboriú, Santa Catarina. Antes disso, eu havia somente caminhado por alguns quilômetros, praia adentro, sem roupa alguma, em Trancoso, no sul da Bahia, um ano antes. Depois da experiência em Trancoso, decidi que no ano seguinte eu iria à mais tradicional e antiga praia de naturismo do Brasil: a Praia do Pinho.

A preparação para este tipo de passeio e, desafio, costuma ser cercada de mitos, fantasias, ansiedade e curiosidade. Muita coisa geralmente ocorre nos arredores de nosso corpo quando ele está nu na presença de outras pessoas. Principalmente se forem várias outras pessoas. A nudez pública é um tabu. Nossos genitais são áreas sagradas, muito bem delimitadas e separadas do resto de nosso corpo quando o assunto é privacidade. Áreas totalmente privadas, completamente fechadas ao público. Impublicáveis, por definição. O que, por sua vez, não impede a prática de torná-las públicas. Sim, existe a publicidade da nudez. Esta, contudo, está restrita a espaços também muito bem delimitados.

Resumindo: genitais não desfilam por aí, sua aparição não está banalizada. Um genital aparecendo é sempre motivo de constrangimento e sinal de que algo muito sagrado socialmente foi violado. E o sujeito exposto é aquele que fica também exposto socialmente: exposto a hostilidades e sanções. Ficar nu é ficar desprotegido. E isso, em público, somente a urgência extrema ou o amor é que podem contornar.

Primeira coisa a fazer era planejar a viagem. Avaliar todas as possibilidades. Saber se de fato teríamos coragem de expor nossos frágeis corpos ao olhar público. Comecei então a freqüentar na internet os sites referentes à prática do naturismo. Uma das coisas que mais me tranqüilizavam era ler o código de ética da Federação Brasileira de Naturismo. Não me darei ao trabalho de recortar o que minha memória pensa que leu por lá. Prefiro ficar com o auto-engano, se for o caso. Mas posso dizer que o tom todo do que eu lia nesse código me trazia muita segurança. Percebi que o esforço todo dos naturistas é o da promoção da aceitação de nossos corpos, com todas as suas possíveis “imperfeições” (entre aspas justamente pelo caráter valorativo do termo).

Boa parte do empenho dos naturistas é o de, justamente, naturalizar a nudez em público. Torná-la o mais espontânea e natural possível. E isso tudo feito também com a proposta de um código moral até bastante severo para com possíveis manifestações de hostilidade (velada ou não) e não-aceitação dos corpos nus dos outros. Há uma promoção constante de comportamentos que visem o não reparar nos corpos dos outros e não comentar pretensos “defeitos”. É uma escola constante de auto e hetero aceitação daquilo que é fonte de muitos bloqueios e traumas, de muito sentimento de inferioridade, os quais acabam apartando muitas pessoas de importantes convívios sociais e afetivos. E estes últimos, sabemos, costumam constituir boa parte de nosso bem-estar psicológico, de nossa saúde.

Conforme fui lendo a respeito do que era o naturismo, mais adquiria confiança para poder cometer a “loucura” de ser exposto, de se deixar mostrar, em toda a vulnerabilidade. Mas é, mesmo assim, sempre interessante relatar as sensações das primeiras experiências. Não sei se esta recomendação ainda permanece, mas àquela época o incentivo era o do naturismo em família tradicional. Ou seja: casais, com ou sem filhos. Homens desacompanhados não eram permitidos. Fui com minha companheira da época. Ficaríamos cinco dias em uma pousada, dentro da praia. Cinco dias sem ver roupa.

Chegamos à recepção, pegamos as chaves e, ainda vestidos, subimos para o quarto. No caminho, claro, cruzamos com algumas pessoas nuas. Entramos no quarto e guardamos nossas malas. O próximo passo era um pouco mais difícil. Queríamos respeitar as regras do local e pensamos: agora não podemos mais descer vestidos. Era isso o que parecia, pois no caminho havíamos cruzado somente com pessoas nuas. Não queríamos desrespeitá-las. Então nos despimos totalmente, respiramos fundo, abrimos a porta e descemos.

Nunca saltei de paraquedas, mas a sensação era a de bastante falta de algo, de onde se segurar, de referências, de anteparos que nos separássemos do mundo. A primeira sensação foi a de “queda livre”. “Orbitei” – sim, pois toda queda livre é, de certo modo, uma forma de entrar em órbita. O restaurante estava a uns 70 metros. Fomos caminhando, devagar, sentindo o vento e a presença das pessoas em nossas entranhas. O mundo me invadia pela pele, totalmente exposta. Menos separação entre eu e mundo. Menos barreiras de contato, logo maior o risco e inevitável a emoção do momento. Nesta pequena caminhada, cruzando com várias outras pessoas nuas, desfrutei, senti prazer. Era uma pequena aventura da qual me sentia capaz sem entrar em desespero. Mas eu me sentia também muito branco, sem cor impressa na pele, apesar de não ser o caso. Era um neófito do naturismo, saindo de sua casca do ovo. Um filhote totalmente frágil desta prática.

A chegada ao restaurante, contudo, foi meio frustrante e constrangedora. Um garçon alto, com cara de canastrão, e totalmente vestido, veio nos atender. Não sabíamos onde enfiar nossos branquelos órgãos genitais. Sentamos, e assim pudemos nos proteger melhor. Logo veio nossa refeição. Comemos, bebemos e observamos o que podíamos em volta: as pessoas no bar (a maioria totalmente nua) e a praia, pela janela, já em final de tarde. O clima era agradável, a sensação era de paz. A praia estava muito bonita com o sol já pedindo para se por ali por volta das cinco horas da tarde.

Descemos à praia e ali tudo já correu muito naturalmente. Estávamos totalmente nus, abraçados pela beleza do mar, do vento e da tranqüilidade das outras pessoas que também estavam nuas. Minha sensação era a de que eu havia chegado ao cume de uma montanha mágica. Aquilo era outro mundo, habitado por outros seres. A escalada havia valido a pena. Muita paz reinava em torno da minha nudez. Todos nus na companhia uns dos outros, e sem medo de ser hostilizado ou diminuído, faz parecer mesmo que estamos em outro mundo. É uma espécie de estado alterado de consciência, já que o mundo parece ter sido virado de cabeça pra baixo ou posto pelo avesso. A nudez é o avesso da indumentária.

Os corpos, em sua maioria, eram repletos de normalidade, ou seja, de “imperfeições”, de desenhos, texturas, cores, volumes e proporções, os quais não cumpriam os ideais de beleza propagados pelos meios de comunicação de massa e a moda. A minha sensação era a de que tantos corpos e genitálias nus produziam um mar vivo de peles aos olhos. Tudo muito mais vivo, vulnerável, animal. O corpo humano nu: retrato da fragilidade. A história de nossa espécie está inevitavelmente ligada às roupas. Elas surgem junto com a humanidade. Não possuem somente a função de resguardo moral. Também protegem fisicamente. Os órgãos sexuais humanos são muito expostos e frágeis. Roupas funcionam como proteção.

E se as roupas surgem juntamente com a humanidade, penso que o mais natural não é ficar nu. Pelo contrário, o mais natural é ficar vestido. Não há nada mais artificial do que ficar pelado, do que reunir pessoas para ficarem juntas e nuas. Porém, o que é ou não natural, é o que menos importa diante dos benefícios pessoais que tive ao fazer naturismo. Gostei e muito. E o que mais gostei foi de como me senti tranqüilo com meu corpo, com a minha nudez e das outros. Dividir fragilidades e imperfeições, aceitá-las, em si e nos outros, é uma experiência terapêutica, de libertação, de cultivo de auto-estima. Há muito respeito em campos naturistas, por si e pelos outros. A nudez humana é fragilizante. Isso naturalmente impõe o respeito.

Os corpos são diferentes, mas a minha impressão é de que, nus, esta diferença fica menos ressaltada. Veja por exemplo o caso dos biquinis. Seu corte, de modo geral, ressalta os glúteos. A totalidade corporal se perde no assombro dessa faixa pequena, dessa parte, sobre a qual impera uma guerra sem fim. Segundo as leis da Psicologia da Gestalt, podemos dizer que a visão de corpos nus impõe uma outra percepção, a de uma totalidade do seguimento da pele, a qual ultrapassa a moldura de biquinis, maiôs e calções de banho. Estes últimos impõem uma óptica do detalhe filtrado culturalmente. O nudismo, por sua vez, impõe a óptica da totalidade e da expressão surpreendente e animalesca das genitálias. Sim, sua exposição bota por terra os padrões que antes eram tão cultuados. Um glúteo perfeito pode deixar de ter expressão ou sentido diante da exposição abrupta de uma vulva ou mamilos e seios inesperados.

E os naturistas, obviamente, também têm seus tabus. A maioria jamais reconhecerá que a excitação sexual existe e desempenha papel relevante em sua prática. Lembro de algumas conversas que tive com alguns deles. Muitos diziam que praticavam o naturismo em função da sensação de liberdade (geralmente liberdade física) de estar mais leve sem roupas, pois elas não seriam naturais, já que “ninguém nasceu vestido”e, portanto, não seriam saudáveis. Alguns chegavam inclusive a argumentar, por exemplo, que roupas prendiam a circulação sanguínea.

Eu não deixava de perguntar: “O fato de estar sem roupa em meio a tantas pessoas sem roupa não lhe desperta qualquer tipo de excitação sexual? Ver pessoas sem roupa, e muitas, possuidoras de atrativos sexuais, também não é prazeroso?”. A maioria das respostas era negativa. Gostavam de ressaltar que este componente praticamente inexistia. Salientavam a liberdade e o prazer de sentir a água do mar, o sol e o vento no corpo todo. Não tenho dúvidas, isso também pode ser muito prazeroso. Mas aí me surgia uma outra pergunta: “Então por que não fazer isso somente em meio a pessoas íntimas ou em uma praia deserta, por exemplo? Se você fosse cego, viria aqui expor-se nu em meio a estranhos? Não há prazer em ver e mostrar os genitais publicamente? E este prazer, o qual vocês relatam, não possui qualquer componente sexual?”. Alguns sofisticavam sua argumentação, outros nem disso eram capazes. Os primeiros iam além: “Há uma sensação muito grande de liberdade, de natureza, e por que não dividir isso com outras pessoas, mesmo desconhecidas, que se sentem da mesma forma?”.

E aí reside uma concepção muito comum ao senso comum: a de que a natureza é sempre boa, suave e saudável. Havia algumas pessoas que portavam uma pulseira, promocional da praia, na qual era bem legível: 100% natural. Mas se fosse tudo natural, não haveria problema algum com ereções explícitas, masturbações, ou seja, qualquer ato sexual ostensivo e público, além das atividades fisiológicas que devem ser feitas junto ao vaso sanitário. O ideal romântico de recuperar nosso estado de natureza perdido, se levado à sério, implica em significativas dificuldades sociais. Mas isso é como o senso comum se expressa: de modo geralmente confuso e equivocado. Assim acaba se falando muita coisa contraditória e, no final das contas, sem sentido; ou somente com o sentido que serve a determinados interesses, os quais menos prezam pela verdade do que pela preservação de seus domínios de ação e poder.

Mas quero encerrar este artigo, ressaltando o que percebi de saudável na prática naturista. Uma prática em que, dentro dos limites os quais pude vivenciar, as pessoas são amiúde levadas a exercitar o respeito, a delicadeza, a tolerância com diferenças corporais, podendo aceitar e acolher uma dimensão tão repleta de traumas: a da nossa imagem corporal. Esta que, muitas vezes, gera diversas representações importantes para nossa própria auto-imagem. Finalizo, deixando bem claro que o naturismo foi uma experiência da qual não me esqueço e que me fez muito bem. Recomendo a todos que tenham curiosidade ou desejo de praticá-lo.

Friday, July 10, 2009

“Perdoa, mas não esquece”?

O senso comum muito se abastece da ideia de que o perdão é valioso e deve sempre ser concedido. Há talvez aí, em nossa cultura, uma influência muito grande dos ensinamentos cristãos. O estímulo ao perdão, independentemente do que tenha ocorrido, é amplamente pregado. E a primeira pergunta é: o que é perdoar, o que isso significa?
Porque há perdões e perdões. O perdão de marido e mulher é com certeza diferente de se perdoar ou “perdoar” (entre aspas) o assassino de um filho, por exemplo. No caso de infidelidade, no casamento, o perdão geralmente significa a reconciliação, o restabelecimento das condições anteriores. Perdoar, nesse caso, é voltar a ser o que era. Amigos, por exemplo, se perdoam, de fato, quando voltam a ser amigos e a exibir a mesma empolgação e vigor da amizade, anteriores ao desentendimento.
Na verdade, a grande questão é que o perdão geralmente não é verdadeiro. As pessoas acabam dizendo que perdoaram mais para satisfazer essa pressão social cristã pelo perdão. Perdoar, de verdade, é permitir que tudo volte a ser o que era, como antes. E isso somente é possível se houver compensações. Exemplo: o sujeito perdeu o livro que lhe foi emprestado e tem seu perdão se comprar outro livro igual, repondo-o, compensando seu erro. Porque tudo nessa vida tem seu preço, inclusive amizade e amor. E amor se paga, muitas vezes, com dedicação e fidelidade. E ele rende o quê? Bem estar, proteção, prazer, alegria, sensação de que nossa vida tem sentido.
Outra coisa que se ouve muito, também: “A gente perdoa, mas não esquece”. E isso é perdão completo, perdão de fato? O perdão não pressupõe o esquecimento? Para perdoar não é necessário esquecer? Por outro lado, é possível compreender o que as pessoas estão querendo dizer com isso: “perdoei, voltei com ele (ainda estão juntos, casados, quer dizer), mas não esqueci, ainda tenho mágoas”. Ou seja, restabeleceu o relacionamento anterior, porém ainda carrega mágoas, o ressentimento sobrevive.
E aí mora geralmente um problema frequente: a pessoa diz que perdoou, mas ainda, como se diz popularmente, “joga na cara”, ou então restabeleceu o relacionamento anterior porque não tinha outras alternativas. Vive uma relação de dependência e abuso com quem ama. Vive a ambivalência de modo muito intenso. Diz que perdoou, mas vive indireta ou inconscientemente agredindo o sujeito “perdoado”. E assim, a pergunta: de que vale dizer, da boca pra fora, que perdoou, para depois restabelecer um relacionamento baseado numa série de confusões e mal entendidos? De que vale bancar o redentor para depois viver o inferno? O inferno de simplesmente não saber o que está fazendo e simplesmente se ver como vítima de seus próprios rancores mal resolvidos? Assim se torna crônica uma relação onde o ódio e as mágoas são sempre mascarados com um série de comportamentos que os tornam ainda mais difíceis de serem resolvidos. Em termos psicanalíticos, diríamos que formações reativas e projeções passam a tomar conta do jogo.
Perdoar ou não perdoar? Eis a questão. Se não for de verdade, perdão completo, se for somente um ato baixado por decreto para apaziguar a moral cristã, não vale a pena. Desse modo ficam abertas as portas para muita coisa mal resolvida, para agressões indiretas, por exemplo, as quais se escondem em atos inconscientes e vão, pouco a pouco, minando com o que restou do amor. E um bom indício de que se perdoou de verdade é o sentimento de compensação. Se nos sentimos compensados, seja lá por que motivo, é possível perdoar. Do contrário, estaremos navegando na mentira.

Sunday, June 07, 2009

Religião e delírio

Algumas publicações recentes, como o livroDeus: um delírio”, de Richard Dawkins, reacenderam o debate sobre o papel e a natureza das religiões. A palavra delírio, veja bem, está no título da obra de Dawkins.

Freud, por sua vez, em sua obra “O mal-estar na civilização”, de 1930 enuncia que a religião é um delírio de massas. Ou seja, tentando deixar ainda mais claro o que ele disse, dá para concluir o seguinte: Loucura que se enlouquece sozinho é somente loucura. Loucura que se enlouquece junto é... religião.

É também muito curiosa a passagem em que perguntam a Bertrand Russell, bem velhinho, sobre o que diria se, após sua morte, desse de cara com São Pedro ou qualquer coisa que simbolizasse a existência de Deus ou da alma eterna. Ele responde que diria assim: “Vocês não nos deram provas suficientes!”.

O tolo não sabe o que diz e o sábio não diz o que sabe?

De fato, a primeira parte do provérbio, sobre o tolo, tem muito sentido. Ser tolo, em boa medida, é dizer ou pensar coisas que não possuem correspondentes na realidade. Ou seja, o tolo simplesmente não sabe o que as coisas são. Logo, em resumo, não sabe o que diz. Não possui noção das conseqüências e sentidos possíveis do seu dizer.

Agora, o sábio não dizer o que sabe o caracteriza somente como um sabedor egoísta do que quer que seja. Mesquinhez do sábio e papo-furado dos tolos.

Mas pode, claro, haver também outros sentidos. O de que seria mais sábio, por exemplo, a demonstração do que é mais próprio ou correto por meio de ações do que por meio de palavras. A idéia de que ações valeriam mais do que palavras: uma pedagogia da ação, do exemplo. Ou o velho sentido de que o silêncio é ouro, enquanto a palavra é prata. Ou também, talvez, a sábia percepção de que nem todo mundo é merecedor da verdade. Com canalhas, com quem joga somente no campo da mentira, o silêncio costuma ser sinal de sensatez ou prudência.

Quem não deve não teme?

Essa usam demais pra jogar na cara. Quando o caso é de ciúme, então, nem se fala. Gente ciumenta e paranóica adora esse proverbiozinho chinfrim. Ficam espionando a vida do outro, vendo má intenção em tudo e logo disparam essa pérola.

contudo o temor de quem não deve nada ou muito pouco. O tipo obsessivo, porexemplo, não deve nada e teme tudo. Enquanto o psicopata deve tudo e não teme nada.

Sentir-se em dívida é coisa de gente honesta.

Saturday, June 06, 2009

“Homossexualidade é opção?”

Esta é uma pergunta muito comum, do senso comum (por isso a coloquei entre aspas), emrelação à homossexualidade. Em muitos casos, infelizmente, há pessoas que chegam a afirmarisso de modo categórico.

A homossexualidade é um fetiche da curiosidade de nossa sociedade que praticamente criminaliza esse tipo de orientação. E se a homossexualidade é fetichizada, a homossexualidade masculina o é ao quadrado. E ao verbo “fetichizar” atribuo o sentido de darum valor excessivo ao que quer que seja. Se fetichiza é porque ressalta demais, valoriza demais. É atenção, curiosidade e xeretice demais em relação ao tema.

As pessoas querem logo a resposta, querem logo saber a causacomo se tudo necessariamente pudesse ser explicado ou determinado por uma única causa. Se nasce assim ou se aprendeu; se é uma condição ou uma escolha.

Mas Freud logo adverte: se a homossexualidade é representada como um mistério, issotambém deveria caber à heterossexualidade. Para ele há de se perguntar pela gênese tanto de uma quanto de outra. Pois para a psicanálise todos nascemos, vamos assim dizer, “bissexuais”. A orientação originária é a bissexualidade. A monossexualidade, seja ela hetero ou homo, com o decorrer do desenvolvimento. Neste sentido, psicanalítico, nascemos bissexuais e aprendemos a ser hetero ou homo. se dá

E o termo aprendizagem, para o senso comum, também adquire alguns sentidos que não os adotados pela Psicologia. Basta dizer que é aprendido, para alguém logo pensarque deve haver alguém, alguma pessoa que ensina. Para não me estendermuito sobre isso, resumo: aprendemos o tempo todo, e o mundo (incluído o mundo das coisas) equivocadamente ensina.

Mas ouço muito, da boca de muitas pessoas, inclusive e infelizmente, penso eu, de algunsalunos: “homossexualidade é opção”. ouvi até mesmo gays dizendo isso. Penso da seguinteforma: é uma frase muito genérica e vaga para uma questão tão complexa. É tão vaga queadquirir diversos sentidos. pode

Uma vez vi na televisão um gay dizendo isso: “é uma opção, sabe”. Ele se sentia como umpaladino da liberdade ao dizer isso. Dizia com gosto, com orgulho que era uma escolha, uma opção.

também, e com muito mais freqüência, pessoas conservadoras e machistas que dizem isso. E o sentido subjacente costuma ser: “se escolheu isso, poderia ter escolhido o contrário; sofre preconceito porque quer; seja homem!”. Ou então: sendo opção, logo é safadeza, moda oufalta do que fazer.

E a grande questão é: então o homossexual escolhe isso, ser uma espécie de pária da sociedade? Alguém escolhe isso para sua vida: ser discriminado, diminuído, excluído, maltratado e humilhado? Sim, pois é exatamente assim que os homossexuais são tratados. Se a homossexualidade é uma opção, então completemos a frase: é opção e masoquismo. Poissomente alguém que tem prazer em sofrer é que poderia escolher esta opção.

E mesmos os masoquistas, fique bem claro, nunca o são de modo genérico. Não existe esta história de simplesmente gostar de sofrer. Ninguém é masoquista pra tudo. Pois o masoquismo, em termos comportamentais, muitas vezes nada mais é que efeito da associaçãoentre dois estímulos: um prazeroso e outro doloroso. Masoquistas costumam ter prazer comcoisas muito específicas, as quais são exatamente aquelas que foram associadas com alguma forma de prazer muito significativa vivenciada.

Se a orientação sexual é uma opção, logo as possibilidades são as mesmas para todo mundo. Logo, somos todos, como pretendia Freud, originariamente bissexuais. Eis o paradoxo do senso comum: enuncia uma regra que, por implicação lógica, estabelece a bissexualidade como universal, coisa que o próprio senso comum rejeita.

Se a orientação sexual é uma opção, logo existe escolha consciente. E pode se dizer que se trata de algo mais ou menos parecido com, por exemplo, o ato de votar: você vai e marcaum x. Portanto, chegam a ser ridículas as implicações lógicas que tal bobagem produz.

Porém, continuemos, até o absurdo. Sim, pois todo equívoco desemboca no absurdo.

Primeiro as definições:

1. Homossexualidade é a predominância de atração sexual por pessoas do mesmo sexo.

2. Heterossexualidade é a predominância de atração sexual por pessoas do sexo oposto.

3. Bissexualidade é a atração sexual por pessoas de ambos os sexos, sem a predominânciasignificativa de qualquer orientação.

Se a orientação sexual é uma opção, logo as pessoas escolhem gostar disso ou daquilo, quererisso ou aquilo. E quem é que tem esse poder: escolher do que vai ou não gostar, querer?

Se a orientação sexual é opção, logoconflito entre alternativas. Senão não haveria opção alguma. Enfim, resumindo: mais uma peça para a coleção gigantesca de besteiras do senso comum.

Saturday, February 28, 2009

Aeroporto 2009

Por Antonio Elias

No sonho mais recente foram três aviõeszões... Dois de uma vez só.
No primeiro, o avião, no chão, eu tava dentro dele (coisa rara de acontecer).
Dava pra sentir o "tranco" da aceleração, a corrida e a decolagem...
Ato seguinte o avião descia e eu saia fora dele.
Partiu de novo, fez a curva por cima da pista (que era em forma de rampa e viaduto).
Perdeu a estabilidade, avançou pra fora da pista e explodiu...
Mais tarde, numa outra parte do aeroporto, uma pista diferente da primeira.
Eu na ponta dela, lá vem o avião.... se estabaca e pega fogo.
Logo em seguida vinha um Concorde (primeira vez dessa modalidade).
Ele tentou pousar, desviou dos destroços do outro avião e se espatifou em detalhes riquíssimos.
Acordei, escovei os dentes e fui serenamente pedalando pro trabalho... Tive um dia feliz.