Wednesday, April 13, 2011

Sobre escolher o paraíso dos tolos (Russell)




As pessoas dirão que, sem os consolos da religião, elas seriam intoleravelmente infelizes. Tanto quanto este argumento é verdadeiro, também é covarde. Ninguém senão um covarde escolheria conscientemente viver no paraíso dos tolos. Quando um homem suspeita da infidelidade de sua esposa, não lhe dizem que é melhor fechar os olhos à evidência. Não consigo ver a razão pela qual ignorar as evidências deveria ser desprezível em um caso e admirável no outro.


Bertrand Russell


Sobre a tolerância e a liberdade de expressão



‎"Ser tolerante significa que você tem que tolerar a intolerância, tendo que tolerar pessoas que não tem tolerância para com você"  -  Pat Condell




"O critério não é moral, aqui, mas político. O que deve determinar a tolerabilidade de determinado indivíduo, grupo ou comportamento não é a tolerância de que eles dão mostra (porque então todos os grupos extremistas de nossa juventude deveriam ter sido proibidos, o que só lhes daria razão), mas sua periculosidade efetiva: uma ação intolerante, um grupo intolerante, etc., devem ser proibidos se, e somente se, ameaçarem efetivamente a liberdade ou, em geral, as condições de possibilidade da tolerância.
Numa República forte e estável, uma manifestação contra a democracia, contra a tolerância ou contra a liberdade não basta para colocá-las em perigo; portanto, não há motivo para proibi-las, e seria uma falta de tolerância querê-lo. Mas, se as instituições estão fragilizadas, se a guerra civil está iminente ou já começou, se grupos facciosos ameaçam tomar o poder, a mesma manifestação pode se tornar um perigo verdadeiro; então pode ser necessário proibi-la, impedi-la, até pela força, e seria falta de firmeza ou de prudência renunciar a essa possibilidade." 
(Comte-sponville, A tolerância, Em: O pequeno tratado das grandes virtudes, Ed. Martins Fontes, p. 177- 178, 2000)

Saturday, April 09, 2011

Amor não correspondido é plantação de ódio no coração do rejeitados



Isso vale, obviamente, e até mais, para a paixão, a qual geralmente se refere ao narcisismo projetado no outro. Explico melhor. O narcisismo seria um amor excessivo a uma imagem que se tem de si. É interessante inclusive verificar a etimologia de narcisismo: narkos, a mesma de narcose; remete à torpor, entorpecimento. Ou seja, Narciso é um completo equivocado, pois está apaixonado por seu reflexo no lago. Está apaixonado por uma imagem, e nela se perde, se afoga. Ali perece. Perece no encantamento por algo que não é efetivo, por um reflexo. Agora imagine isso tudo, essa imagem (equivocada) de si mesmo projetada no outro.
Eis uma posição extremamente delicada para se estar: servir de alvo, de ponto de incidência do delírio, do encantamento do outro. O sujeito apaixonado irá projetar tudo o que pode e que não pode na pessoa por quem nutre sua paixão.  Se houver correspondência, ótimo, vive-se a boa paixão, e assim se flutua, se vive o melhor desse sentimento que nos arrebata.
Porém, se não houver correspondência, se houver indelicadeza com a pessoa apaixonada, aí o bicho pode pegar feio, rosnando, babando e mostrando os dentes. Qualquer movimento pouco pensado, qualquer “não”, dito sem muito cuidado, qualquer desatenção que possa parecer desdém, podem se transformar em atos que semeiam o ódio.
Todo o cuidado é pouco quando se trata de como se lidar com alguém que está apaixonado. O amor do apaixonado é sempre esfomeado e insano na direção de se apossar do objeto de sua paixão. É amor voraz, de posse, de consumação. “Ou você é meu ou de mais ninguém”. É o amor que mata. É energia concentrada, pronta para explodir. Todo cuidado é pouco, pois as paixões são inflamáveis.

Sunday, April 03, 2011

Antigas prosas poéticas que morreriam na gaveta (1)


Vaguei por entre os dias moribundos em que me alimentava de vazios. Sou uma alma que do coração habita seu lado morto e frio. Corri para o seu abraço. Abracei o abismo, meu corpo em pedaços. Sou uma ponte pro nada, um sorriso sem dentes, vela apagada. Bicho, parto pro mato, vôo sem asas, derreto no asfalto. Mudo me esqueço, saio sem rumo, começo pelo tropeço, imundo e sem prumo, vagabundo sem endereço, feito pelo avesso, no erro aconteço.
Sou essa teimosia da sobrevivência. Sou essa praga que insiste em viver. Sou esse monte de carne e ossos amontoados no sofá que ainda teima em comer e assistir televisão. Mas, mesmo quase morto, ainda quero um pedaço sorridente do sol da manhã e do canto dos pássaros que a abrigam em sua música. Cada pedaço meu é feito de um equívoco. Sou um erro ambulante que se alegra e sorri. Desafio a física da felicidade e ainda posso dizer que tenho o gozo dessa vida besta.
Não tenha pena de mim, meu amor. Pois minha casa é a alegria, este castelo no ar à prova de dor.