Thursday, October 19, 2017

O paciente tem direito a um prognóstico

Uma paciente de 18 anos de idade estava com peritonite e bastante ansiosa:

- Quanto tempo vou ficar aqui?, perguntava, repetidamente, para várias pessoas da equipe.

Perguntou também para mim. Deixei que falasse mais, que se expressasse, para procurar compreender os motivos específicos de sua ansiedade naquele momento. Percebi que essa informação, o prognóstico, era importante para ela, para que pudesse fazer algum planejamento mínimo de como iria enfrentar seu período de internação na UTI. Desse modo, então, eu lhe disse que iria tentar descobrir isso conversando com o médico do plantão.

Por sorte o médico de plantão era alguém com quem eu tinha uma interlocução razoavelmente tranquila. Naquele contexto hostil até que era um cara legal:

- A paciente está muito ansiosa. Precisa saber de seu prognóstico, de mais ou menos quantos tempo ficará internada aqui. Você tem uma ideia de mais ou menos qual será o período dela na UTI?

- Puta que pariu... Isso é falta de rola, só pode ser.

- Veja bem, doutor, ela de fato está muito ansiosa, e creio que ter consciência de mais ou menos quanto tempo irá permanecer na UTI irá ajudá-la a se planejar melhor sobre como irá enfrentar todo o tempo que em que estiver aqui. Fora o fato de que essa informação pode fazer com que ela se acalme. Ela está interpelando várias pessoas da equipe com a mesma questão...

- Isso é falta de resguardo. Vai lá e diz pra ela que ela precisa de resguardo.

Tentei ainda uma vez mais explicar a esse médico que essa informação talvez fosse muito importante para o prosseguimento do acompanhamento dessa paciente. Mas ele de fato estava irredutível nesse posicionamento sarcástico e debochado, o qual senti como profundamente desrespeitoso ao sofrimento daquela pessoa, daquela moça, de 18 anos de idade, que estava se sentindo absurdamente sozinha e angustiada com algo que é geralmente muitíssimo sofrido: a falta de perspectivas, o tempo que não passa, estar presa numa cama em um ambiente onde há excesso de iluminação e sons repetitivos e enlouquecedores dia e noite, com dores pelo corpo e com todo o mal-estar referente à sua condição de saúde - o que, no final das contas, pode muito bem se parecer com uma tortura.

Na verdade fiquei até mesmo com vergonha do que ele estava dizendo. Outras pessoas ouviram, e fiquei até com dificuldade de acreditar que ele estava dizendo aquilo, que estava fazendo aquele tipo de zombaria desumana naquele contexto extremo. 

O que ele estava fazendo era bizarro e repugnante, e eu simplesmente não entendo como insistia em continuar com o mesmo tipo de comportamento, apesar de minhas justificativas técnicas.

Estou narrando-lhes esse episódio, e também aqui pensando que vocês também devem estar chocados, pois a ocorrência de uma situação dessas é praticamente inacreditável. Porém lamento lhes informar, mas foi exatamente isso o que ocorreu. É triste, mas é de fato infelizmente o que aconteceu.

E devo ainda lhes ressaltar que esse médico não era dos menos humanizados e empáticos. Acho que ele estava assim, de certo modo, em um nível mediano em termos de humanização naquele contexto, naquela UTI. Prefiro inclusive pensar que isso que ele disse foi somente um deslize, que isso certamente não refletia a maior parte das ações de cuidado, com o outro, que ele tinha em sua vida profissional no SUS.

Então, em relação ao prognóstico, não pude receber essa informação dele, o qual muito provavelmente não a detinha. Ou seja: ele não sabia e infelizmente, como boa parte dos médicos, em muitas situações, era incapaz de assumir que não sabia alguma coisa. Era melhor desconversar do que revelar que não possuia uma determinada informação.

Então o que fiz foi acessar a internet e tentar encontrar algum artigo científico que mencionasse a questão do prognóstico para peritonite. Em uma fonte confiável encontrei o queria. Estava em uma tabela que discriminava uma série de condições e faixas etárias.

Fui até o referido médico e lhe mostrei essa tabela:

- Posso ir até a paciente e repassar essa informação pra ela?

- Sim, pode!

Como eu lhes disse: esse médico não era dos piores. Não se estressou, nem arranjou confusão comigo porque descobri uma informação da qual ele não tinha conhecimento. Nossa interação cordial não se abalou em função disso!

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