Monday, April 16, 2018

Procrastinação

Então quer dizer que você está procrastinando, e acha que isso é o fim da picada, e quer resolver de qualquer maneira?  Mas, convenhamos, em boa medida é bastante compreensível: você está exigindo de si mesmo a realização da tarefa mais chata do mundo, com uma série de outras coisas muito mais agradáveis para se fazer. Então é natural a procrastinação. O contrário, se não houver uma estruturação muito bem definida (principalmente para fazer com que você se sinta mais motivado para essa tarefinha chata), é somente tortura.

Na verdade tenho uma certa dificuldade para compreender o que exatamente as pessoas classificam como procrastinação.

Se estão falando do acúmulo de tarefas, às quais fazem com que a gente fique praticamente louco para realizá-las, no final do prazo, compreendo um pouco melhor.

Contudo muitas pessoas falam que estão procrastinando quando na verdade estão somente tentando se dedicar a um número muito grande de atividades ao mesmo tempo. Isso não é procrastinação. isso é dispersão, falta de foco.

E há também os casos, como mencionei acima, das pessoas que na verdade estão se impondo verdadeiras torturas. E aí obviamente irão procrastinar.

Aí fico me lembrando de minhas experiências pessoais, nas quais consegui chutar a bunda do que as pessoas chamam de procrastinação, conseguindo estabelecer foco. Minha dificuldade, como a de muitas pessoas, era na vida acadêmica, e o que salvou minha vida foram as boas bibliotecas que frequentei, juntamente com a garantia de refeições nos restaurantes universitários. 

Eu simplesmente passava o dia todo, e muitas vezes também a noite toda, em bibliotecas muito agradáveis para desenvolver as minhas atividades de estudo e leitura. Fiz isso durante anos e simplesmente não vivenciei o que as pessoas costumam classificar como procrastinação. E não foi muito difícil não, porque uma boa biblioteca é o ambiente ideal para o mergulho nos estudos. É assim que eu sentia. 

Fora o fato de que uma coisa para mim é simples: para não procrastinar é necessário gostar da tarefa e se restringir a ela. É necessário se dedicar integralmente à ela para que o foco seja garantido. Quem tenta realizar várias tarefas ao mesmo tempo geralmente se perde nessa história. Saber que não dá para abraçar o mundo é fundamental. Quem mergulha em alguma atividade abre mão de inúmeras outras.

Claro que o fato também de ter frequentado por vários anos um ambiente universitário bastante rico facilitava muito a minha tarefa, pois na USP (somente para citar o ambiente universitário mais rico que frequentei) a gente tinha de tudo, inclusive estrutura para a prática de esportes. Então na USP eu tinha tudo: as refeições que eu precisava, prática de esportes, atividades culturais e de lazer, e um lugar onde eu também fazia amigos - aliás, quase todos os meus amigos eram de lá. Enfim, a minha vida era inteiramente ali. Aquilo ali era o foco total. Sobrava pouco espaço para o que as pessoas costumam classificar como procrastinação.

E atualmente, como docente, tenho me visto em um espaço universitário e em um mundo completamente diferente. Então, o que tenho tentado desenvolver com os estudantes é um ambiente de aprendizagem colaborativa. Mas isso já é objeto para uma próxima postagem...

Fazer o que gosta ou com quem gosta?

Fazer a coisa certa no lugar errado não é melhor do que fazer a coisa errada no lugar certo. Trabalhar com o que não gostamos, em um ambiente acolhedor, é mais saudável do que trabalhar com o que gostamos em um ambiente ruim. Não basta fazer o que gosta, trabalhar com alguma coisa que você acha que irá lhe trazer realização pessoal, se você não tiver a sorte de ter um ambiente de trabalho saudável, uma equipe de trabalho com a qual consiga ter interações prazerosas e saudáveis. Fazer a coisa errada no lugar mais certo do mundo pode fazer com que você passe a gostar de um trabalho que não gostava antes.

Pensar primeiro em si ou nos outros? (sobre uma fala de PC Siqueira)

Gosto dos vídeos de PC Siqueira porque ele acaba, em sua retórica, muitas vezes me surpreendendo. Em um de seus últimos vídeos disse que devemos pensar primeiro em nós mesmos, para depois pensarmos nas outras pessoas. Porque, segundo ele, de modo geral, quando estamos pensando primeiro nas outras pessoas, elas estão dois passos à nossa frente, porque além de estarmos pensando nelas em primeiro lugar, elas também estão pensando nelas em primeiro lugar. Segundo ele isso abre portas para relacionamentos abusivos.

Gostei do que falou. Foi bem criativo. Contudo isso não me desceu muito bem. Isso talvez se aplique ao momento que ele está vivendo, após ter percebido uma série de abusos que sofreu em algumas interações pessoais. 

Penso que devemos obviamente ser responsáveis, o máximo que pudermos, por nossa própria vida. Não devemos esperar que os outros pensem primeiro em nós, e muito menos devemos exigir isso das pessoas. Cuidar de si mesmo não é somente um comportamento egoístico. 

Quem não cuida de si não sobrevive. Cuidar de si mesmo é fundamental. Tentar dar conta sozinhos, o máximo que pudermos, de nossos próprios problemas, é fundamental. É uma das características da maturidade. Pessoas maduras cuidam de si mesmas, e não ficam esperando pelos outros para que isso ocorra.

Do modo como se expressou ficou com um tom mais egocentrado, egoísta. Penso que não se trata exatamente de pensar primeiro em si mesmo e depois nos outros. Trata-se de pensar em si e também nos outros. Há uma importância muito grande de se pensar também nos outros Esse é um dos fundamentos da ética. Porque geralmente quando estamos pensando nos outros também estamos pensando em nós mesmos. Cuidar de todos é cuidar de si também.

Um dos maiores problemas que vivemos dentro de uma sociedade, que prima por níveis maiores de individualização, é a ausência ou diminuição dos intercâmbios fundamentais da vida comunitária. Não somos uma ilha, e o outro nos constitui, assim como é uma das maiores, senão a maior fonte para o nosso bem-estar.

O problema mais comum nos tempos atuais é que as pessoas estão pensando demais em si mesmas, e se esquecendo das outras, ao contrário do que ele apregoa nesse vídeo. Estão se colocando em primeiro lugar, e quando assim o fazem terminam por se perceberem completamente isoladas e sem referências sólidas. Isso facilita, por exemplo, o surgimento de sintomas de ansiedade e depressão, os quais atualmente apresentam níveis epidêmicos.

Se PC Siqueira vivenciou alguns relacionamentos abusivos, e isso o deixou sensibilizado ao ponto de agora talvez estar se dirigindo para o extremo oposto, espero que suas palavras ecoem somente em quem passou por situação semelhante. Porém também acho provável que ele esteja, como já mencionei, se dirigindo para o extremo oposto, o qual também não reserva boas surpresas.

Emoções negativas e positivas

As emoções negativas são emoções geralmente desagradáveis, de urgência, que salvam a vida das pessoas: medo, raiva, nojo... 

É possível, por exemplo, enumerar uma quantidade muito maior de emoções negativas do que de positivas. Quando pensamos em emoções negativas, várias delas nos vêm à lembrança, porque de fato há um número maior mesmo de emoções negativas. Contudo, esse número maior não faz das emoções negativas, do sofrimento, o sustentáculo da existência dos seres vivos. 

Mesmo que as emoções positivas estejam reunidas somente no que chamamos de alegria, e mesmo que sua magnitude possivelmente seja menor que a das emoções negativas, a alegria mesmo assim continua sendo o arroz com feijão da vida. As negativas até socorrem, mas não sustentam.

Fazer aconselhamento psicológico não é a mesma coisa do que dar conselhos

Fazer aconselhamento psicológico não é a mesma coisa do que dar conselhos. Para introduzir essa questão quero mencionar o ocorrido durante um atendimento, no qual um estudante de enfermagem atendia uma paciente, sob minha supervisão e a de um enfermeiro:

- Você estuda? - indagou ele.

- Não. Eu parei de estudar no ano passado.

- É importante! Volte a estudar. Volte estudar que isso vai ser importante para a sua vida!

Ele não investigou os motivos daquela paciente ter parado de estudar. Simplesmente recomendou que ela deveria voltar a estudar, sem saber qual era a condição e motivação dela para tal.

Conselhos são recomendações gerais que não levam em conta as condições específicas nas quais as pessoas estão inseridas. O conselheiro tem a ilusão de que a pessoa irá placidamente obedecê-lo, de que basta prescrever alguma coisa, com sua autoridade, para que o outro passe a executar o que foi recomendado. 

A paciente acima deve ter ouvido por diversas vezes a mesma coisa, que estudar era muito importante ou algo parecido, e estava ali, diante de um futuro enfermeiro, a ouvir a mesmíssima recomendação.

Também é comum se ouvir, a partir de quem está fazendo algum conselho, recomendações de como as pessoas devem ou não se sentir, o que também não faz muito sentido, porque as pessoas não se sentem assim ou assado em função de recomendações de como devem se sentir.

Quem dá conselhos tenta pular etapas e acredita que assim irá produzir alterações instantâneas nos comportamentos e realidades alheias. Quem está dando um conselho geralmente está totalmente alheio às motivações de quem está sendo aconselhado.

Lembro-me também, inclusive, de um relato de Drauzio Varella, ao recomendar que as pessoas façam atividades físicas regularmente, e sobre como reage quando lhe dizem que não têm tempo para isso. Ele simplesmente responde para essas pessoas que o problema é delas.

Compreendo que boa parte dos médicos costuma agir assim, somente com conselhos, recomendações ou prescrições rápidas. O psicólogo contudo não pode, em momento algum, agir assim. 

É importante também que as pessoas tenham seu próprio tempo e autonomia para, por vezes, aos poucos, sozinhas, irem resolvendo seus problemas. Contudo, afirmar que o problema é somente delas geralmente não é de muita utilidade. 

O aconselhamento é um processo constante de investigação das razões e motivações pelas quais as pessoas estão fazendo ou deixando de fazer as coisas. A partir disso iremos (nós, profissionais do aconselhamento), juntos com essas pessoas, descobrir qual é a melhor forma para elas, em particular, para que consigam realizar esta ou aquela atividade.

Cada um vai encontrar um jeito específico para se engajar ou se motivar em relação às mais variadas atividades dessa vida. Então não basta por exemplo recomendar que as pessoas simplesmente façam atividades físicas. Temos de descobrir, junto com elas, se terão condições de realizar alguma atividade física. Temos de, junto com elas, descobrir qual é especificamente a atividade, e em qual contexto ela poderá ser realizada.

E isso não quer dizer que, em um processo de aconselhamento, não seja possível se recomendar alguma coisa. Isso também é possível. Contudo, nesse processo as recomendações são sempre postas à prova. 

A forma literal com que é feita uma recomendação pode até mesmo ser a mesma ou muito parecida com a forma de conselhos simples. A diferença é que, em um processo de aconselhamento, as recomendações são sempre postas em discussão. Sempre se pede ao paciente que reflita sobre a recomendação que está sendo feita, se ela de fato faz sentido ou se aplica ao seu contexto específico:

"O que você acha? Faz sentido o que estou lhe dizendo? (...) Estou falando muita besteira? (...) Você acha que teria condições de fazer isso? (...) Por que não tentar?"

O conselho é geralmente um ato sumário, violento, indiferente às condições específicas nas quais a pessoa aconselhada está vivendo. O aconselhamento, por sua vez, tem relação com estar junto, com o acompanhamento, escuta e observação constantes de como o outro vem se relacionando com os outros e o mundo. 

É um mergulho reiterado, insistente e constante no mundo do outro, sempre de mãos dadas com ele. Jamais para simplesmente arrastá-lo para as cercanias de nossas suspeitas e hipóteses. Mas constantemente em direção às profundezas dos sentimentos e motivações de alguém que sempre irá renovar seu mistério na relação conosco.

Motivo ético para continuar vivendo

A minha impressão é que ser amado é uma razão moral para continuar vivendo. E amar? Amar é razão pessoal, egoística. Amar não é justificativa ética para continuar vivendo. Ética é sempre pelo outro. Nunca por si ou pra si mesmo. Em termos éticos, o dever é viver pelo outro mesmo. Nada mais. Por outro lado, há também a liberdade da individualidade de viver somente para si ou encontrar a maior parte dos motivos aí.

Comunicação oral x escrita

É um pouco assustador e frustrante  para mim perceber que a comunicação oral é totalmente diferente da comunicação escrita, porque permite um nível de envolvimento com o interlocutor que ultrapassa completamente a questão do conteúdo. O conteúdo pode ficar em plano secundário quando estamos falando de comunicação oral. Porque aí o principal é fazer com que seu ouvinte se envolva com o que você está falando e isso, em muitos casos, independe quase que totalmente do conteúdo.

Há um lado triste nisso, porque a comunicação oral muitas vezes acaba sendo uma comunicação baseada na ignorância, no equívoco, na falta de informação. É triste porque, ao observar as diferenças entre a comunicação oral e a escrita, fica claro para mim como políticos profissionais, charlatães e opressores das mais diversas espécies conseguem enganar as pessoas sem transmitir qualquer tipo de informação relevante. 

A linguagem enfeitiça, mas a linguagem oral enfeitiça muito mais. Terreno perfeito para a trapaça, no qual aqueles que muitas vezes estão mais preocupados com a verdade podem ser injustamente massacrados.

É possível "evoluir" sem sofrimento?

Há poucos dias recebi, por mensagem privada, a seguinte pergunta:

"Adriano, como as pessoas "evoluem" sem o sofrimento? Existe uma forma de "evoluir" o caráter de alguém que não seja invasiva e muitas vezes agressiva?"

Essa talvez seja uma das grandes contribuições da Análise do Comportamento, pois seus achados, os quais foram replicados tanto com modelos animais quanto com modelos humanos, corroboram a hipótese de que é possível sim, em boa medida, aprendermos muitas coisas nessa vida com muito menos sofrimento do que usualmente costumávamos pensar.

As evidências de que o condicionamento aversivo não é o caminho mais desejável, e de que há alternativas concretas para ele, demonstram isso com clareza.

É comum o enunciado de que "se não vai por amor, vai pela dor". Contudo quem assim se expressa está tentando adotar o caminho mais rápido, o mais fácil, ou então não tem conhecimento suficiente de como é possível atuar, de modo significativo e muito mais eficiente, com base no que as pessoas comumente chamam de amor.

Não estou dizendo que o que conhecemos hoje é infalível, mas que atualmente existem técnicas, ou até mesmo tecnologias, que ajudaram em boa medida a diminuir o sofrimento envolvido em todo o nosso processo de aprendizagem e conquista da maturidade.

Quero somente lhes dar um exemplo bem simples. Imagine que alguém esteja sofrendo de uma fobia específica em relação a altura. Uma descoberta muito antiga é que uma das estratégias mais eficazes para se combater a ansiedade, o medo, é o enfrentamento. Desse modo não faltaram pessoas, durante a história, expondo outras, às quais estavam com medo, de forma muito abrupta aos objetos dos quais essas pessoas tinham medo.

Lembro-me inclusive de uma de uma aluna que tive, a qual me relatou que, para acabar com seu medo de altura, lhe sugeriram que ela saltasse de paraquedas. O problema é que esse tipo de técnica produz uma inundação de estimulação aversiva, a qual possui muitos riscos, pois a pessoa pode, após esse tipo de manejo, ficar ainda mais sensibilizada, traumatizada com altura. O risco é muito grande, e há também o risco da pessoa, por exemplo, desmaiar, e simplesmente não entrar em contato com a experiência aversiva.

Para que qualquer pessoa possa entender, sem que eu precise fazer o uso de jargão técnico, eu diria que basicamente nos comportamos segundo dois vetores: nos comportamos para conseguir algo bom ou para evitar algo ruim. No primeiro caso o comportamento está sendo mantido por reforçamento positivo. No segundo caso ocorre o reforçamento negativo, o qual corresponde ao que é classificado como condicionamento aversivo.

O condicionamento aversivo então pode ser realizado por meio de reforçamento negativo e punição (positiva ou negativa). E a punição por sua vez se refere à consequências que diminuem a frequência de respostas. Ou seja: quando o sujeito é punido a tendência é que o comportamento punido diminua em frequência ou venha a se extinguir.

Há porém evidências científicas consolidadas de que o condicionamento aversivo possui inúmeras desvantagens. É definitivamente mais desejável adotar o reforçamento positivo.

Se queremos, por exemplo, que uma criança comece a estudar mais, e de modo mais motivado e saudável, é necessário se pensar que o mais desejável será o reforçamento positivo do comportamento de estudar. O comportamento de estudar precisa produzir consequências aprazíveis para essa pessoa. Estudar precisa ser prazeroso. 

As gratificações pelo comportamento de estudar deverão ocorrer de forma um pouco mais imediata, no próprio cotidiano das atividades acadêmicas. Gratificações que se distanciam dos próprios comportamentos de estudar serão menos eficientes. Se o próprio comportamento de estudar, em si, for gratificante, será muito mais efetiva a aprendizagem, a cultura, o gosto por estudar.

E talvez as gratificações mais poderosas são as gratificações sociais as gratificações que advém da companhia prazerosa de outras pessoas. Muitas pessoas inicialmente nem gostam de algumas atividades específicas Porém quando são submetidas à realização dessas atividades na companhia de pessoas que lhes fazem bem, há a possibilidade do estabelecimento de um processo que faz com que essa pessoa passe a gostar até mesmo daquelas atividades que inicialmente nem gostava.

Os analistas do comportamento, na minha concepção, são os maiores conhecedores de como fazer para que as pessoas se sintam mais motivadas e felizes em relação às atividades que desenvolvem na vida. 

E é importante obviamente tentar perceber quais são os comportamentos que são emitidos com mais facilidade ou até mesmo, eu diria, ser bastante otimista em relação aos sujeitos com os quais estamos lidando. Porque qualquer comportamento desejável, por mais minúscula que seja a sua frequência e magnitude, é uma semente que pode ser irrigada e gerar uma série de outros comportamentos adequados e desejáveis. 

É importante então olhar para as pessoas, para qualquer ser cujo comportamento ocorre por meio da seleção por consequências, com muito otimismo. Porque qualquer simples resposta, que seja parecida com algo desejável, deve ser gratificada. Então esse olhar é um olhar eminentemente otimista, porque olha para o que o outro tem de bom, mesmo que isso se apresente em uma quantidade minúscula. 

É a partir do que as pessoas têm de agradável, de aprazível, bom, desejável, que iremos atuar. Há um foco no que o outro tem de bom: eis o otimismo, e um tipo bom de otimismo, pois é focado na ação. É a partir disso que o outro irá crescer, e crescer com um nível de interação o menos violento e hostil possível, porque o que dá mais certo, e a Análise do Comportamento sabe muito bem disso, é a gentileza, o trato afetuoso, o que a maioria das pessoas conhece e classifica como sendo da ordem do amor.

“Chore que faz bem...” ?

É muito comum esse tipo de afirmação ou recomendação. Chorar, contudo, pode ter as mais diversas funções. Porém quando alguém assim se expressa geralmente está recomendando que a pessoa chore para desabafar, para diminuir a tensão e assim tenha um pouco de alívio em relação a seu sofrimento.

Entretanto existem também, para esse aspecto, contextos diversos. Há pessoas que relatam que geralmente se sentem piores após chorarem. Pois a expressão de uma emoção pode intensificar a emoção em questão. Ou seja: chorar pode, em alguns casos, intensificar a tristeza. Aí me lembro de muitos relatos de pacientes a me dizer que quanto mais choravam mais tinham vontade de chorar, e mais tristes ficavam.

Fora os contextos mais específicos: se a pessoa, por exemplo, chorar em público e isso implicar para ela em sentimentos de vergonha ou humilhação, chorar poderá então criar mais problemas e aumentar o sofrimento.

Portanto, chorar nem sempre faz bem...

O sofrimento enobrece?

Afirmar que o sofrimento enobrece faz um pouco de sentido para quem está no luxo, e vem sofrendo muito pouco nessa vida, e assim até se embruteceu. Não deve servir pra justificar sofrimentos dilacerantes, injustos e indecentes. Mas infelizmente  é mais para isso que esse tipo de afirmação acaba servindo mesmo, para naturalizar a opressão.

O sofrimento serve pra quê?

Se o sofrimento tem alguma função, função boa, é somente uma: facilitar a empatia, pois a tendência de quem não sofre, ou sofre pouco, é se dessensibilizar com o sofrimento alheio. Essa, pra mim, é a única utilidade do sofrimento. Para o restante dos sofrimentos prefiro pensar que são evitáveis ou inevitáveis.a